27.5.09

=em busca do tempo=

- E você, o matemático do grupo, como se chama?
- Felipe Schuery.
- Felipe o quê?
- Schuery.
- E esse sobrenome é alemão?
- Não, turco.

Eu tinha 11 anos e estava ao vivo numa rádio de Cabo Frio com mais umas 5 cabeças, amigos do colégio. Organizamos, não lembro para que fins, uma pesquisa sobre as intenções de voto dos cabofrienses para a Presidência da República em 1989 (ou seja, há 20 anos!). Papel e caneta na mão e a molecada distribuída pelo centro da cidade, ali pela praça Porto Rocha, perguntando aos passantes em quem votariam. Nessa, um radialista (não lembro o nome dele, era um narigudo, baixinho) passa e vê pauta para seu programa diário. Logo estávamos ligando para a família para avisar que naquela mesma tarde estaríamos na rádio. Meus pais estavam no trabalho, então meus irmãos e a Tida - que trabalhava lá em casa - se programaram para gravar aquilo em fita cassete.

A pesquisa era à Bangu, cada um marcava os votos de uma forma, cada um perguntava como queria, e teve malandro colocando no papel voto de tia, pai, amigo, só para alavancar um candidato. No fim das contas estava eu de calculadora na mão, na recepção da rádio, tentando transformar palitinho em porcentagem. Daí veio essa de matemático do grupo. Se não me engano, deu Collor. E acho que o Brizola estava nas cabeças.

Duas coisas me marcaram ao chegar em casa:

1. Nada foi gravado (Meus irmãos e a Tida usaram uma fita com aqueles buracos antigravação - tinha nome isso? - então o som não aceitava o REC. Vendo que a coisa não ia e o programa começava, a Tida forçou a tecla. O botão de REC quebrou e ficou assim para sempre.)

2. Schuery não é turco

Minha mãe ria:

- Não é turco, filho, é libanês.
- Como, se você e meus tios chamam todo mundo de turquinho e turcão lá em Juiz de Fora?
- É só um jeito carinhoso. Schuery é libanês.

Fato, é libanês. Existe um papo de que meus ancestrais eram da cidade de Choueir, no Líbano, e que quando chegaram na imigração brasileira usaram o nome da cidade como sobrenome ("Nome e sobrenome?", "Põe aí, Fulano de Choueir. Quer dizer, Fulano Schuery, com 'sch' no começo e 'y' no fim"). Uma rebuscada que leva uma galera a pensar que é alemão. Eu gosto dessa história, mas parece que é fantasia. Minha prima Juliana tem sangue de detetive e está levantando informações para esclarecer isso. É fascinante. Vez ou outra a família recebe um email dela com fotos desgastadas, árvore genealógica, documento com depoimento da vovó Naná ao cônsul do Líbano no Brasil dizendo que não assinava pois a mão tremia (preferia a impressão digital do polegar da mão direita), quando na verdade é provável que ela não soubesse escrever, e por aí vai.

Essa sacudida na memória - que me trouxe a história da rádio - é fruto de um tabule e de um quibe que eu comi num restaurante libanês aqui em Londres (também mandei a Laziza, cerveja libanesa sensacional que tem um que de mel). O nome é Joury, e o endereço é 72, Duke St Mayfair, W1K 6JY. O curioso é que já comi feijão, pão de queijo e leite condensado aqui, mas o que me trouxe mais lembranças e saudades do Brasil foi a comida árabe. Minha mãe e minhas tias são as responsáveis. Os Schuery passam um dia inteiro na mesa emendando café-da-manhã, almoço e jantar. No intervalo, quibes, esfihas e hummus bi tahini.

E tem nêgo que come madeleine e escreve sete livros, com mais de 1000 páginas no total. Um postzinho é meu nível.

3 comments:

  1. Me identifiquei com o seu post (e gostei muito!)... Também tenho ascendência libanesa e um belo quibe de forno sempre desperta ótimas lembranças. Quibe cru, então, nem se fala...
    Beijão!

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  2. "Recordar é viver". Isso tudo é muito bom: as lembranças, as comidas...
    Bonitos os quibes e o tabule,heim?!

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  3. Bonitões, o quibe e o tabule!
    Então tá combinado: no regresso, comida árabe nele!
    Não me recoradava mais do episódio do "matemático".
    Muito bom! Recordar é viver!

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