3.7.09

=sol, cerveja e blur: isto é londres=



O primeiro ato programado para a volta do Blur, depois de quase sete anos separados, foi um show no Hyde Park. Escolha simbólica. Lugar perfeito para cantar novamente a vida mundana da juventude britânica que adentrou o século XXI, para as crônicas irônicas sobre hedonismo e tédio, para o desfile de hits que falam direto a uma geração. Lugar exato em que Damon Albarn teve a idéia para fazer uma das canções mais significativas da banda. Foi numa caminhada ali, entre casais de mãos dadas e gente alimentando pombos, que "Parklife" começou a tomar forma. Ontem, teve o refrão cantado em júbilo.

Aqueles que presenciaram o show no Hyde Park em 2 de julho de 2009 tem, em sua maioria, entre 20 e 35 anos. Ali era lugar para qualquer um curtir boa música, mas tinha um significado maior para a juventude que viu o fim do século chegar sem trazer nada especial. Gente que esperou a virada para o ano 2000 como Didi e Gogo esperam Godot. Gente que cresceu apolítica, celebrando manhãs sem nada para fazer, a falta de compromisso, a diversão. Que superou cada ressaca para se jogar novamente em bebedeiras e adiar responsabilidades sempre um pouco mais.

A tristeza e a alegria plena são quase o mesmo sentimento nas canções do Blur. A satisfação de não fazer nada se mistura com tédio e sai em jorros de triunfo com o clima festivo dos feriados. Conte quantos "holiday" tem em músicas do Blur, quantos relatos de dias enfadonhos ou de inércia em frente da TV, quantos personagens desajustados. A eterna espera passiva por um mundo melhor. Dias inofensivos, antes de 2 milhões de pessoas marcharem por Londres até o mesmo Hyde Park, em 2003, na manifestação anti-guerra que inspirou "Out of Time". Damon lembrou emocionado da passeata antes de tocar o hino que marca o último suspiro da banda, Think Tank (já sem muita inspiração, já engolido pela ressaca do Brit Pop, já numa época bem diferente da que começaram, já sem Graham Coxon).

Mesmo que a tensão criativa esteja entre Albarn e Coxon, o Blur é um grupo de quatro amigos que cresceram juntos. Sem um deles, como aconteceu, a banda acaba. Não imagino a banda como o atual Oasis, com incontáveis mudanças na formação, trocando elementos como pequenos ajustes de percurso. O Blur é aquela mistura esquisita de personalidades.


Foto: Gigwise

Damon Albarn é o capitão, o comandante da celebração. Joga em todas. Toca violão, berra no megafone, sussura uma melodia doce, salta para a galera, se esparrama no chão. Está em forma (exceto pelo dente da frente que os dias de loucura do Brit Pop levaram), incansável, sorridente, emocionado em contar com tanta gente a sua frente mesmo depois de anos sem um alô da banda. "Esse parque é muito bom... lagos, o Speaker's Corner." "Ohhh, virem-se para ver o pôr-do-sol." "Deem um alô para a lua que chega." No astral de ontem, se estivesse na praia de Ipanema certamente saudaria com palmas o pôr-do-sol.


Foto: Gigwise

Graham Coxon é o gênio atormentado. Intercala caras estranhas de quem preferiria estar tocando sozinho, trancado num quarto, com saltos empolgados e solos catárticos de joelhos. Na entrada no palco, enquanto Albarn e James olhavam fascinados o mar de 50 mil pessoas, Graham passou as duas mãos na cabeça, da testa à nuca, como quem pensa nervoso, numa mistura de sensações: "Caralho, caralho, que porra é essa. Me tira daqui. Tô doido pra começar." Sua guitarra cheia de texturas é marca inconfundível da banda. Foi o que mais me impressionou naquele dia de semana em que o Metropolitan, no Rio, ficou vazio pra receber os reis da Inglaterra.


Foto: jellybeanz

E quem é aquele coroa rechonchudo na bateria? David Rowntree espanca o instrumento em "Song 2" e marca o ritmo suave de "The Universe" com a mesma expressão no rosto. Como se pensasse o tempo todo na Teoria da Responsabilidade Civil ou na Dogmática Geral do Direito. Passa longe da aparência de popstar, de baterista de uma banda de rock. Tá mais para vizinho silencioso e simpático, pai de família, que tem prazer em fazer churrasco todo domingo. Concorrerá pelo Labour Party a uma vaga no parlamento nas próximas eleições. É sério.


Foto: Gigwise

Se Coxon, Albarn e Rowntree perderam alguns centímetros de altura com a leve corcunda que o tempo traz, Alex James ainda tem postura jovem, de estrela do rock. É a elegância em pessoa. Sempre sorrindo, cumpre o papel que foi de Paul Simonon no Clash: baixista certeiro e muito estiloso. Quase certeiro, devo dizer: em "Coffe & TV", enquanto Graham solava, Alex e Damon se embaralharam com os acordes por segundos, riram em cumplicidade e tudo voltou ao caminho certo.

A turma se reencontrou e está em forma. Contaram no palco com um tecladista, quatro pessoas no coro e três nos metais. Foi um showzaço, com clássicos enfileirados e público em êxtase, relembrando os velhos tempos e aproveitando o festejo. "Girls & Boys", "Parklife", "Song 2" e "Country House" são os petardos máximos (veja nos vídeos abaixo como fui rebocado; nenhum movimento de câmera foi intencional). "The Universal" (que bela maneira de terminar) e "Tender" tiveram o refrão entoado na saída até os túneis lotados do metrô.



A banda certa, no lugar certo da cidade certa. Londres foi homenageada. Não a Londres da chuva, a cidade cinza e fria, mas a das noitadas infinitas, dos feriados ensolarados com cheiro de churrasco, muita cerveja, parques cheios. As últimas palavras de Damon Albarn indicam o caminho sem fim: "Enjoy the summer!"

Carpe diem, parceiro. Para sempre, carpe diem.


Viram a moça baixinha, de olho puxado, no meio do caos? Logo depois ajudei a abrir espaço para ela sair. Muita pressão.







Monte aí o repertório num playlist:

"She's So High"
"Girls & Boys"
"Tracy Jacks"
"There's No Other Way"
"Jubilee"
"Badhead"
"Beetlebum"
"Out of Time"
"Trimm Trabb"
"Coffe & TV"
"Tender"
"Country House"
"Oily Water"
"Chemical World"
"Sunday Sunday"
"Parklife"
"End of a Century"
"To the End"
"This is a Low"
"Popscene"
"Advert"
"Song 2"
"Death of a Party"
"For Tomorrow"
"The Universal"

3 comments:

  1. Flavio Carvalho5 Jul 2009, 23:14:00

    Hehehe
    Já estou montando o playlist.
    Pra mim, a melhor do Blur é There's no other way. Acho q foi pq era a época em q eu ainda assistia a MTV. Morava em Niterói e me amarrava em bandas inglesas com aquela batida quebrada e cortes de cabelo com franja.

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  2. Felipe, obrigado pelo ÓTIMO review!

    O repertório é de tirar o fôlego. Fiquei curioso com as músicas do Think Tank com a guitarra do Graham. Deve ter sido um dia lindo...

    E aproveitando a deixa, em outubro estou planejando uma viagem para Londres. Queria encontrar contigo para um serviço de cicerone... o que acha? :)

    Abs,
    Mattoso.

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  3. Caraca! Estou meio desatualizada, não tenho andado por aqui, mas que FOOOOODA, hein?!!!!! Felipe, me manda a letra de Dentro da Tela, ainda não encontrei por aqui e é difícil de entender na música tudo que se diz por causa da guitarrinha que vai junto.
    Bom ter te visto ontem!
    Beijos,
    Sil

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