11.4.09

=sexta-feira da paixão=

Chego em Vauxhall de metrô e queimo a cuca para achar a Kennington Lane. Está escuro e frio. A olhada que dei no Google Street View facilita a identificação de algumas construções e uma caminhada curta me leva à igreja de St. Peter. A porta está entreaberta. Entro e a recepção é generosa: apesar da lotação e dos minutos de atraso (já havia começado), logo me arrumam uma cadeira e o libreto com o programa da noite. The Passion of our Lord Jesus Christ according to Saint John (1724), Johann Sebastian Bach.



No século 18, tornou-se tradição na Alemanha a representação da Paixão de Cristo dentro da igreja na Sexta-feira Santa - orquestra, coro e solistas, além do sermão. Como mostra o título de Bach, a narrativa é baseada no evangelho de João, mas algumas poucas passagens tem Mateus como fonte: Jesus prevendo a negação de Pedro, o rasgar das cortinas do templo e o terremoto após a morte de Jesus.



É tudo cantado em alemão, e o libreto traz as letras originais e a tradução para o inglês. Os fonemas robustos reverberam no pé-direito gigantesco da igreja e as melodias elevam ainda mais o drama dos últimos momentos de Cristo. Alguém puxa a cadeira vazia ao meu lado e senta com estardalhaço. Vem a catinga de bebum e prevejo a negação do silêncio. É batata:

- Ó, Maria! - grita o homem de seus lá 45 anos.

Murmurinho na assembléia. Um senhor pede que o desordeiro se aquiete. A reação é inacreditável: o cara se joga no corredor central e fica estatelado no chão. Jesus bebe o vinho azedo e a melodia cresce: "Está consumado!" O que fazer para que o corpo do bêbado não permaneça naquele lugar especialmente sagrado? Quebrar suas pernas? Dois sensatos, cada um de um lado, preferem levantar o corpo e levá-lo embora.

Nenhum dos seus ossos será quebrado.

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